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# A 1ª Oktoberfest de Gramado usa arte feita em IA?

Enquanto voltava para casa de uma reunião nesse último sábado, 27/9, passei pela Av. Borges de Medeiros em sentido à R. Emílio Leobet e vi várias placas que anunciavam a 1ª Oktoberfest de Gramado. Até aí, nada demais, isso é comum sempre que há um evento na cidade; o que verdadeiramente me chamou a atenção foi o desenho dos, digamos, “mascotes” que estava nessas placas. Lembro de que, quando os vi, comentei com meu pai que parecia arte de IA, possivelmente feita no ChatGPT.
Quando finalmente cheguei em casa e abri o Instagram, me deparei com um vídeo feito pela própria Prefeitura de Gramado que mostrava o mesmo desenho, só que dessa vez na própria Expogramado:

Quadro do vídeo postado pela Prefeitura de Gramado em 26 de Setembro
Close no vídeo acima

Você talvez esteja se perguntando como eu suspeitei que esse desenho foi feito em IA, mais especificamente feito pelo ChatGPT, e a resposta é simples: quando você pede apenas para que a IA faça um desenho sem especificar um estilo, o resultado será padronizado e também terá uma certa matiz amarela.
Eu obviamente não sei o prompt exato que utilizaram para isso mas, como acredito que tenha sido criado em cima dos bonecos feitos para o evento, eu resolvi tentar algo similar e pedi para o ChatGPT criar algo em cima de uma imagem real. Para fins de exemplo, resolvi usar um quadro de um vídeo onde o prefeito de Gramado, Nestor Tissot, tem uma conversa educada e amistosa com artistas na Rua Coberta:

Desenho gerado a partir de um quadro do vídeo postado pelo Jornal NH em 4 de Agosto

Se você estudou um bocado sobre desenho, vai perceber que é, de certa forma, uma derivação do estilo CalArts, mas tão genérico, blasé e com uma matiz amarela tão forte que entrega logo de cara como e onde foi feito.
Sendo franco, fica feio, bem feio. Usar arte de IA não é (ou ao menos não deveria ser) do calibre de um evento como esses, que agrega a imagem de uma série de profissionais, que vão da classe de agricultores, artesãos e artistas da cidade — muitos que, inclusive, adorariam uma oportunidade para trabalhar na parte artística do evento no lugar do ChatGPT — até artistas e bandas que estão na lista de shows.
Caso você tenha lido a postagem do Miron Neto em seu webjornal, você pode tentar me dizer que é um evento puramente da iniciativa privada, todavia, apesar do Miron ter dito explicitamente que não se trata de um evento realizado diretamente pela GramadoTur — ou seja, não se trata de um evento de iniciativa pública mas sim de iniciativa privada —, o que é verdade, a própria prefeitura de Gramado afirmou em um artigo na página da Secretaria do Turismo (e sobre o qual tive conhecimento por meio de um artigo do webjornal Gramado Enfoco) que o evento foi feito em parceria com a GramadoTur, e presumo que todos nós saibamos que essa parceria não foi um tapinha nas costas e um “pode contar comigo”, mas que envolveu capital, tanto indireto quanto, possivelmente, direto — sim, capital direto: dinheiro, grana, bufunfa, plata, l’argent, money. Já deixo claro que eu não tenho certeza nenhuma sobre capital direto pois não consegui verificar nada no URL provido no site da GramadoTur para transparência, Transparência Fly, pois a cidade de Gramado nem ao menos aparece na lista até o presente momento; no entanto, podemos ver o capital indireto em inúmeras coisas no evento, sendo, principalmente, publicidade feita por meio de portais públicos (mais notavelmente no perfil da prefeitura de Gramado no Instagram), ou seja, houve envolvimento de órgão público e validação por meio de autoridades.
Até aí, de novo, nada errado. A questão que quero levantar é que um evento dessa magnitude, com aprovação e participação pública, e que deveria movimentar a economia da cidade em todas as frentes mecanizou uma parte extremamente importante e, ainda por cima, de forma um tanto anti-ética, pois nem ao menos avisou que o fez.
Gramado é uma cidade extremamente rica no que se tange à arte, mesmo não valorizando tanto quanto poderia (e deveria), e, reiterando, eu tenho plena certeza de que teriam vários artistas gramadenses, natos e “de coração”, dispostos a trabalhar na arte do evento, mas que não foram chamados pois ninguém por parte da prefeitura sequer se importou em propôr. E não para por aí: não foi utilizada IA apenas para a ilustração dos macotes, mas também para imagens no website oficial do evento. Não acredita em mim? Então cá vai:

Que confraternização do balacobaco! Por mais que todo mundo pareça meio perdido… Bem, talvez seja a cerveja, mas deram até para a menininha?!
“Féſtada COL”? Tá tri certo. Alguém avisa para o vovô aí que a cerveja está indo toda no chão?
Shows de bandas locais? Maneiro.
Belo trombone, nunca tinha visto um feito para canhotos.
E me perdoe pela ignorância, mas também nunca tinha visto um violino com 2+½ cordas… Deve ser novidade para o violinista também, olha como ele está nervoso.
Pelo visto o Harry Potter passou na Expo e resolveram tirar a foto no dia.
Mais shows e retomada da Festa da Colônia? Perfeito!
Hmmm… O colega ali tá tocando com a bochecha? E está faltando uma penca de coisa nesse trombone, hein… E o da ponta ali comeu metade do instrumento?!
O tubista sumiu atrás do vocalista em algum portal, mas deixou a campânula de fora para continuar tocando — ou talvez não tenha cabido no portal…

Se eu dissesse que o desenho foi feito em IA porque “até as imagens do site foram”, seria culpa por associação; a questão é que, de fato, dá para ver o uso de IA em ambos os casos, e com uma análise independente. Além disso, também não tem nem como argumentar que contrataram um artista e que foram enganados, pois dá para ver que o uso da IA não está apenas em uma parte da publicidade.

Caso ainda haja alguma dúvida sobre isso, gostaria de deixar claro que sim, eu gosto da ideia de uma Oktoberfest em Gramado que seja complementar à Festa da Colônia. Me aqueceu o coração ver artesãos, produtores rurais e cozinheiros juntos no evento, anunciando e comercializando o fruto de trabalho duro. Foi legal, de coração.
Além disso, tivemos uma união cultural: sertanejos, pagodeiros e, claro, bandas de música de inspiração alemã unidos, fazendo shows no mesmo espaço. Não foi uma festa segregada, mas sim unida na diversidade — assim como a cidade de Gramado desde sua fundação —; o verdadeiro espírito brasileiro, que por si só é radicalmente americano (e que inspirou até os europeus a criarem a União Europeia após a 2ª G.M.).
O que incomoda, ratifico, é que, apesar de tudo de bom que veio com a realização do evento em si, esse tipo de “"”economia””” na publicidade por parte dos organizadores contamina a imagem do evento logo na primeira edição, ainda mais depois de casos de conhecimento público como o “Willy’s Chocolate Experience”, que se utilizou de IA para publicidade.
Arte em IA dá uma aparência de barato, de pouco esforço, de, com a devida vênia, golpe — e isso afasta muita gente em um plano geral.
Eu verdadeiramente torço para que a Oktoberfest se repita ano que vem (e nos que vierem!), mas que esse tipo de coisa não.
Concluindo, tenho de dizer que me preocupa que nenhum jornalista ou até algum artista mais midiático tenha feito alguma declaração sobre isso e que eu esteja sendo o primeiro. Lógico que cada artista tem sua vida particular e alguns ainda têm de manejar projetos comunitários ou estão ocupados com trabalhos privados, então não colocarei tanta pressão sob a classe artística em si; a questão é que ao menos a mídia local poderia ter tecido alguma observação.